
Há um pouco mais de um semestre estou em um grupo de teatro estudando as peças simbolistas de Ibsen.
Os ensaios começaram há duas semanas e estamos pesquisando partituras de movimentos e aplicando-as em algumas cenas, que preparamos para apresentar ao grupo.
Cimos, fiordes, picos, topos, sótãos e altas construções. É nesse tipo de “relevo” ou “arquitetura” que os protagonistas de Ibsen transitam.
E nós, os atores, pesquisamos e utilizamos signos e símbolos para expressarmos essa ascensão e declínio dos personagens.
Solness, um dos protagonistas, é um construtor, faz grandes igrejas, mas tem medo de altura. Pois é, há uma semana estou em contato com este protagonista e pesquiso uma cena para apresentar.
Vejam a minha situação: logo eu, que nunca tive medo de altura, que sempre me aventurei pelos brinquedos mais altos do parque de diversão, que sempre quis pular de asa delta e que adoro morar no 15º andar, cá estou, com uma labirintite mestra, de molho, em casa, por causa de tamanha vertigem.
Solness e eu.
Será possível? Sempre consegui manter distância dos personagens, chorava com suas lágrimas, depois cessava. Ria com o seu riso e logo depois ficava séria. Coachava, Engrossava, Latia, Afinava, Cacarejava, Hablava... E depois tudo passava. Simples assim. Sem envolvimento...
E agora me encontro nesse estado, volta e meia grito achando que vou cair. Se eu levanto, tenho que sentar, se sento tenho que deitar e quando deito tudo roda.
CULPA DO SOLNESS, CULPA DO IBSEN.
Cadê meu “eixo” diretor? O tal eixo que “exercitamos” tanto na semana passada. Sentia-me livre para cair, pois sabia levantar (que bonito isso).
Solness está ao meu lado, esperando a Hilde provocante, a Hilde que o instiga a subir em suas construções. Ele gargalha da minha cara em letras garrafais, HAHAHA, e diz: “Logo você que recitava as falas de Hilde com tanta propriedade e nas alturas!” Pois é, eu sei, logo eu, que estava feliz porque faria a intrigante Hilde... Agora olho a minha imagem tortuosa no espelho e me vejo Solness.
Será possível que meu organismo tenha absorvido esse universo todo? Não estou falando de emoção! Não! Não é emoção. Não tenho vontade de rir, de chorar, de soluçar, não tremo, não me deprimo... São apenas tonturas, vertigens, vertigens de Ibsen.
A cada palavra digitada a visão fica embaralhada e depois volta ao normal. Quando olho para frente três homens me observam, em primeiro plano Ibsen e Solness e em segundo plano Artaud, sim o próprio, e ainda por cima (não muito em cima senão caio) eles tem um meio sorriso um tanto irônico no rosto.
Ai!
Além disso, (como pude esquecer de dizer isso?) ainda tem o Artaud de pano de fundo!
O livro “O ator e seu duplo” zomba de mim. Vai entender por qual razão não consigo chegar ao capítulo do Teatro da Crueldade. Já li duas vezes o livro até este capítulo e quando chego lááá (Pausa) não consigo continuar.
Perdi meus óculos e troco as palavras, as tonturas também deformam as palavras, mas Artaud, para quê palavras?
Estou sentindo, meu filho, sentindo!
O que acho interessante é todo esse estado físico... É orgânico! É como se meu corpo tivesse absorvido Solness, Ibsen, Artaud. E o resultado disso é a LABIRINTITE.
Nesse labirinto de peças, teorias, partituras e símbolos eu me encontro rodando, olho para tudo isso e caio gritando de susto. Assustada por ver o mundo girar, Assustada por nada estar ao meu controle.
Tomo então a minha pílula de “eixo” e finalizo o retrato das impressões de um processo fantástico de uma atriz em pesquisa.